quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Acidente atrasa viagens à Lua

(Ulisses Capozzoli - Scientific American Brasil)  O acidente com a nave aeroespacial suborbital SpaceShipTwo, que explodiu logo depois de se desprender de sua nave-mãe, a WhiteKnightTwo ˗˗ na tarde do 31 de outubro passado, em voo teste na California ˗˗, pode ter impacto na ocupação da Lua, ainda que esses dois fatos possam parecer distantes e sem qualquer relação, à primeira vista.

A nave, desenvolvida para explorar o turismo suborbital, um voo balístico em que atinge uma altitude máxima ˗˗ em torno de 100 km, e volta a mergulhar rumo à superfície da Terra ˗˗ integra a primeira geração de naves para desmistificação do voo espacial, ainda que seu alcance se restrinja ao espaço suborbital, o que significa dizer, incapaz de levá-la à órbita da Terra como ocorria, por exemplo, com os aposentados ônibus espaciais.

Por trás do argumento que abre esse artigo está a pergunta de um sem número de pessoas: se a Lua foi conquistada nos anos 60, e até 1972 recebeu uma viagem tripulada, por que uma nova geração de astronautas não põe os pés no satélite da Terra?

A resposta a essa questão produziria mais que um livro e recuaria às profundezas do tempo, desde que o primeiro homem, evidentemente uma pura abstração, observou a moeda prateada da Lua escalando o céu e se perguntou quando um humano poderia tocá-la com as mãos.

Essa proeza tomou forma dos vertiginosos anos 60, mais especificamente em 20 de julho de 1969, quando a tripulação da Apollo 11, formada por três astronautas, levou dois deles a pousar na Lua, enquanto um terceiro permanecia em órbita lunar, na nave de resgate que traria a equipe toda de volta à Terra.

A pré-história do espaço
Mas o voo triunfal da Apollo 11 não teria existido se, em 12 abril de 1961, um astronauta, ou cosmonauta, como foi chamado na União Soviética, com a cara redonda e o sorriso fácil de um quase adolescente, não tivesse entrado em órbita da Terra e voado em meio ao que pareceu a boa parte de seus contemporâneos, viajado entre as estrelas.

Iuri Gagárin (1934-1968) quem anunciou do espaço que “a Terra é azul” metaforicamente abriu as viagens tripuladas para a Lua e, no futuro próximo, para Marte ainda neste século. Talvez num futuro apenas um pouco mais distante, eventualmente no século 22, para as bordas do Sistema Solar ou mesmo para um mundo em órbita de uma estrela vizinha.

Mas, por que desistimos da Lua?

A conquista da Lua, e este é um fato inequívoco, foi um feito de toda a humanidade, ainda que, circunstancialmente, tenha representado uma queda de braço entre a então União Soviética, líder do mundo socialista, e os Estados Unidos, líder do bloco capitalista.

A principal razão de a conquista da Lua ser um feito de toda a humanidade está relacionada ao fato de a ciência ˗˗ corpo de conhecimento que inclui, por exemplo a astronáutica, a lei dos gases, dos movimentos e a gravitação universal, entre outros ˗˗ ser uma realização humana e não uma conquista uniliteral de qualquer nação.

Circunstancialmente, no entanto, a conquista da Lua foi uma dura batalha para a demonstração da potencialidade de cada um dos hemisférios em que a Terra esteve dividida, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando duas bombas atômicas pulverizaram os corpos de pessoas, árvores, animais e mesmo de construções, em Hiroshima e Nagasaki, no Japão.

Catástrofes inevitáveis
Os Estados Unidos sofreram vários revezes ˗˗ entre eles o incêndio que destruiu em terra e matou seus ocupantes ˗˗ da primeira unidade da nave Apollo I e levou a uma supersticiosa remuneração da série que conduziria várias tripulações à Lua.

Com os louros sobre a cabeça, os Estados Unidos convenceram o mundo de sua pretensa superioridade científica e industrial, obscurecendo as conquistas soviéticas que começaram com o voo do primeiro satélite artificial da Terra, o Sputnik I, em 4 de outubro de 1957 e, em seguida, o voo de Gagárin, além da viagem de uma primeira mulher ao espaço em torno da Terra.

Esgotada a exploração política, no entanto, não houve razões econômicas ou mesmo científicas para novas viagens à Lua, ainda que, ainda hoje, pairem dúvidas, por exemplo, sobre a origem do satélite natural da Terra. Sua massa comparativamente elevada, faz com que, em astronomia planetária, o sistema Terra-Lua seja interpretado como um surpreendente caso de planeta binário.

O que deve estimular novas viagens da Lua é justamente a poderosa e crescente indústria do turismo, incluindo o incipiente turismo espacial e, neste nicho, o papel de naves de voo suborbital. Depois disso virão as viagens lunares, inicialmente em órbita lunar e depois com pouso na superfície.

E naves como a SpaceShipTwo se encaixam como peças de um quebra-cabeça nesse movimento de avanço progressivo.

Alguém pode argumentar que o clube dos países espaciais foi ampliado pela China e Índia ˗˗ que enviou recentemente uma nave para Marte ˗˗ o que é verdade.

Mas não toda a verdade.

O que deve impulsionar mesmo o retorno da Lua são os lucros, a exemplo do que ocorre com bancos, hospitais e hotéis e bancas de jornais, cafés e sorveterias, entre um número quase infinito de empreendimentos na Terra.

Neste caso, naves como a SpaceShipTwo são uma espécie de precursores das caravelas, as embarcações que, ao longo do século 16, revolucionaram a arte da navegação com seus calados baixos e o chamado pano latino, que permitiu a navegação à bolina, ou seja, contra a direção dos ventos dominantes, entre outras características.

A destruição da SpaceShipTwo e a morte de um de seus dois pilotos ˗˗ o segundo deles saltou de paraquedas e se recupera de graves ferimentos em um hospital ˗˗ deve levar os desenvolvedores da nave e a empresa fabricante e revisões detalhadas para que um novo acidente não se repita.

E pode, também, deixar um pouco mais claro para a maioria dos que sonham com um voo, ainda que suborbital ˗˗ de onde se pode observar por uns cinco minutos a curvatura da Terra contra o abismo escuro do espaço-tempo ˗˗ sobre os riscos de uma viagem como essa.

A Terra vista de longe
E mesmo que esses novos exploradores endinheirados ˗˗ uma viagem dessas custa bem mais que uma contrapartida qualquer na superfície da Terra, levando em conta o curto período de duração ˗˗ não se preocupem com a própria vida, os governos devem impor limites de segurança de voo também para a esfera suborbital.

Acidentes como o da SpaceShipTwo, no entanto, são praticamente inevitáveis sob a lei dos grandes números. Isso significa dizer que, da mesma forma que ocorre com aviões, em meio a uma quase completa totalidade de voos bem sucedidos, um ou outro pode não chegar ao destino. Pode, por exemplo, desaparecer sem explicações na vastidão do Pacífico, como ocorreu com um voo da Malasyan Airlines.

O fato é que, em termos pragmáticos, apenas o turismo pode levar grupos humanos de volta à Lua. Isso significa que, se num primeiro momento eles ficarão precariamente abrigados em instalações polares, como ocorreu com a conquista e ocupação dos polos extremos da Terra, num segundo momento serão construídos hotéis e toda uma rede complexa, ainda que banal, para atendimento de viajantes.

Em nada eles lembrarão o que foram, num dia do passado, cosmonautas como o soviético Iuri Gagárin, ou astronautas como o americano Neil Armstrong, quem primeiro pisou o satélite natural da Terra.

Mas quem se importará com o passado?

Filhos ou netos das gerações que agora vivem na Terra, num dia do futuro observarão, da face visível da Lua, o disco azul da Terra contra o escuro profundo do espaço.

Eles certamente se emocionarão com a Terra em fase cheia ˗˗ exatamente como as fases da Lua ˗˗ inundando o espaço próximo com a luminosidade azul produzida por sua densa atmosfera.

Instalados em hotéis na face visível da Lua, nossos descendentes observação, com a ajuda de pequenos telescópios, as cidades iluminadas da Terra, acompanharão as centenas de tempestades que a cada dia desabam da atmosfera do planeta. Alguns deles poderão ser perguntar, sem encontrar respostas, como foi possível que toda a história da espécie humana tenha se reduzido, até aquele momento, ao globo azul flutuando no espaço como um balão de gás, desses usados em festas de aniversário.

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